20.3.06

25 Maio 2003


Azimutes, exterior, 23:09, 25/5/2003.

O miúdo acena-me na rua. Reconheço-lhe o ar doente, pálido e cheio dos sinais de quem já viu o Outro Lado, atacado por tumor e de doença já em remissão. A força com que luta pela vida envergonha-me e, logo em seguida, incute-me uma força maior do que a própria vida.
" - Teacher! Passeia?... Está com bom aspecto!"
Cumprimento, toco-lhe o braço, o rosto com a palma da mão aberta. Sinto-me maternal. Inspiro o ar, respondo:
" - Tu também. Gosto mais do teu ar, hoje. Ontem estavas mal... Engano-me?..."
Reconhece que tenho razão: às vezes as dores voltam com muita força... Mas hoje não! Repete-me que se sente amado e feliz. Sorrio-lhe e digo-lhe que também eu o amo com os olhos e que me inspira toda a ternura possível a quem nunca teve filhos.
Conta-me outra das suas estórias, sorridente e já leve, um misto de vivaz alegria dos seus treze anos de criança e os seus oitenta de sabedoria lúcida sem cinismos. Por momentos, também eu sou feliz, por ele, com ele, que vive e irradia alma. Agradeço ao Alto. Despedimo-nos até dali a uns dias. Digo-lhe que quando tiver um filho, quero que seja como ele. Sorri, acena-me e afasta-se, observando, como eu, pardais, nuvens e folhas de árvores cantando no vento. Temos o mesmo olhar. Ambos nascemos talhados para a felicidade com a amarga consciência de já ter sofrido muito: ele, no corpo, eu, na alma. Faz boa estrada, pequeno. Precisamos de ti por perto...


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